Materialismo Estoico Deletério
“Desejam uma morte lenta e dolorosa, ou uma morte rápida?” - Que tal se organizar para que a morte não seja uma opção?
Ultimamente tenho lido o livro Dialectical and Historical Materialism, de J. V. Stalin
, sim aquele mesmo: patente alta, dá aula, bigode grosso.
No livro publicado em 1938 e atribuído ao camarada Stalin
, se discorre brevemente sobre os pressupostos básicos do método desenvolvido por Marx
, no auge do agravamento das tensões que culminariam na Grande Guerra Patriótica.
São três capítulos curtos e didáticos, com as citações originais dos textos e algumas ponderações do autor.
A dialética não era uma novidade no mundo da filosofia e Hegel
já descrevia que sempre que uma nova ideia surge (a tese), surge uma ideia contrária (a antítese) e no embate entre estas duas, surge uma terceira ideia que supera e preserva as anteriores, a síntese.
Marx
, no entanto, abandona o idealismo de Hegel
com a compreensão de que a natureza vem primeiro, a realidade está posta antes que a nossa consciência a interprete. A natureza é conectada, determinada, em um estado contínuo de movimento e mudanças, cujas mudanças quantitativas levam a mudanças qualitativas e as contradições são inerentes a natureza.
Essa filosofia natural surge com o processo de desencanto da humanidade, surgimento das ciências naturais e do materialismo. Inicialmente sendo usado como um insulto, o materialismo traz a realidade objetiva e a ideia de que o mundo e suas leis são conhecíveis, mesmo que em primeiro momento sejam desconhecidas.
As novas ideias surgem justamente através das condições materiais de uma sociedade: As suas demandas, sem as quais seria impossível o seu desenvolvimento. Porém quais seriam essas condições?
É exatamente aqui que entra o materialismo histórico, que vem responder quais seriam as condições materiais necessárias, e segundo Stalin
, determinantes para moldar uma sociedade. O texto então levanta diversos exemplos que não são determinantes:
“Seria a geografia de um lugar?”. Não. Existiram diversos sistemas sociais diferentes ao longo de um período de 3 mil anos na Europa, as condições geográficas mudaram? No sentido geológico, mudou muito pouco.
“Seria o crescimento populacional?”. Não. Na China
da época de Stalin
, a densidade populacional era quatro vezes maior que a dos EUA
, porém um sistema semi-feudal ainda vigorava.
“Seria o trabalho, puro e simples?”. Acrescento eu. Não, cavar um buraco com um garfo dá bastante trabalho e por mais que um sádico fetichista bilionário te pague para fazê-lo, nenhuma mudança substancial na sociedade teria acontecido.
Por fim, o texto responde: A força motriz que determina as condições de uma sociedade (pasmem!) estão nos métodos necessários para fomentar a existência de vida humana: comida, roupa, sapatos, casas, combustível, etc.
Ou seja, o desenvolvimento das forças produtivas é o principal responsável por moldar uma sociedade. Stalin
porém via este fator como uma determinação, defendendo a tese de que a URSS
sob sua tutela estaria superando as contradições do capitalismo através do planejamento centralizado, colocando de lado a própria dialética marxista em favor de uma visão determinista (se então apenas ) e etapista (primeiro , então depois ).
Lendo superficialmente o texto, pode-se interpretar seu famoso trecho como uma posição Aceleracionista:
“não é dissimular as contradições do regime capitalista, mas pô-las a descoberto e revelá-las em toda a sua extensão, não é amortecer a luta de classes, mas levá-la consequentemente a cabo”
Na verdade, ele está estabelecendo um terceiro caminho entre o Aceleracionismo e o Freacionismo, se adotarmos um termo dialético ao que Stalin
chamaria de reformismo.
A posição Freacionista propõe que devemos suavizar as contradições do capitalismo através de reformas graduais, evitando confrontos radicais e humanizando o capitalismo através de regulação e políticas sociais, tentando resolver problemas sistêmicos com remendos temporários e confunde o alívio temporário dos sintomas com a cura da doença.
(E já me adiantando, não, os governos petistas não são Freacionistas, parem de ouvir webcomunista imediatamente e entendam de uma vez por todas o materialismo-histórico-dialético)
A posição de Stalin
, alinhada a posição marxista, se propõe revelar as contradições que já estão ali, de modo que a revolução ecluda naturalmente quando as condições materiais estão maduras. Esta posição evita tanto os perigos do reformismo quanto os da aceleração artificial, mantendo o foco no desenvolvimento das forças produtivas e na organização política consciente.
A diferença crucial entre estas posições reside em como cada uma entende o tempo histórico, ambos tratam as contradições do capitalismo como algo a ser gerenciado (seja acelerando ou suavizando), em vez de serem confrontadas através da organização política consciente.
A esquerda forte não precisa trabalhar ativamente para o pior, querendo chegar ao melhor, nem tampouco acreditar que o capitalismo pode ser consertado com esparadrapos. Precisamos reconhecer que um colapso não terá dono - ele pode ser apropriado, e foi em muitos momentos, por forças reacionárias. Nossa tarefa é construir, aqui e agora, as condições materiais e organizativas para que, quando as contradições do capitalismo amadurecerem, possamos oferecer uma alternativa real, não apenas um caos sem rumo.
Sem as condições materiais uma pessoa jamais se liberta. Sem organização uma pessoa liberta jamais pararia o trem.