Acelera Celera Jesus
Se você está lendo isso, significa que sobreviveu a mais um fim do mundo. Parabéns!
De repente, Jesus as encontrou e disse: “Salve!” - Mateus 28:9 NVI
Desde o início os cristãos do primeiro milênio tentaram prever a segunda vinda de Jesus Cristo - entre as diversas datas estimadas, um total de zero foram confirmadas. A lista de fracassos é impressionante: do bispo Martinho de Tours
que previu o fim antes do ano 400, passando por Joaquim de Fiore
que calculou o Milênio para 1200-1260, até Harold Camping
que apostou no dia 21 de maio de 2011.
O que fascina nessa história repetida é como a escatologia - a doutrina sobre o “fim dos tempos” - nunca morre, apenas se transforma. Hoje, em vez de monges medievais calculando anos bíblicos, temos setores da esquerda repetindo uma versão secularizada da mesma profecia.
Benjamin Noys
, é um teórico que cunhou o termo Aceleracionismo
dentro da Teoria Crítica
contemporânea, e como não poderia de ser mais prepúcio, se tornou um de seus principais críticos. Em seu livro, Malign Velocities ele afirma que essa ideia não surge como uma teoria política séria, mas como uma série de provocações filosóficas extremas, que para a surpresa de ninguém, tem como origem os quatro cavaleiros do apocalipse pós-moderno: Gilles Deleuze
, Félix Guattari
, Jean-François Lyotard
e Jean Baudrillard
.
É incrível a semelhança dessa mentalidade com os cristãos do primeiro milênio, que vinham nos dizer que o colapso não apenas era inevitável, mas desejável. Agora, tal qual os cultos mortais que surgiram ao redor dessa insatisfação na demora do retorno do salvador, o caos não somente é desejável, mas devemos fazer algo para conjurar este redentor ao mundo.
Antes mesmo da proliferação dessas ideias Marx
já tinha nos alertado quando ele escreve em 1859 que “nenhuma ordem social é jamais destruída antes que todas as forças produtivas para as quais é suficiente tenham sido desenvolvidas”, ele nunca acreditou que o capitalismo levaria automaticamente ao comunismo.
Em O Manifesto Comunista, Marx
e Engels
argumentaram já na abertura que a história da humanidade é a história da luta de classes, e que, uma crise capitalista apenas coloca a escolha entre uma ruína comum das classes em luta ou a reconfiguração revolucionária de toda a sociedade.
Ao almejar esta última, sem construir alternativas concretas no presente, o Aceleracionismo ignora que o colapso não tem dono - ele pode ser apropriado por forças reacionárias tanto quanto por forças progressistas. Ao cair nesta armadilha escatológica, podemos estar rumando a um mundo em que a ruína comum talvez seja o cenário menos pior.
“mas e aí é um 6 ou um 9 hein…”
É um sessenta e nove, eu sou o 6 e você é o nove, filhadaputa!
Marx
disse que “os filósofos apenas interpretaram o mundo de diferentes maneiras; o que importa, porém, é transformá-lo”, com esse desprendimento de responsabilidade, os filósofos hoje tem sido responsáveis por influenciar justamente aqueles que possuem poder para transformá-lo, as classes dominantes.
É impossível entender a atual “merdificação” da esquerda sem culpar diretamente os filósofos pós-modernos que criaram as condições teóricas para esse desastre. Não apenas prepararam o terreno para o Aceleracionismo de esquerda que reduziu a política a uma mera questão de “velocidade”, mas também, ironicamente, plantaram as sementes para o surgimento do Aceleracionismo de direita através de Nick Land
.
A tragédia é que esses pensadores, ao rejeitarem categorias como “verdade objetiva”, “progresso” e “razão universal”, criaram um vácuo teórico que primeiro minou a capacidade da esquerda de distinguir entre o que é progressivo e o que é reacionário, e depois foi apropriado por uma direita que, graças a essa herança teórica, agora possui uma linguagem sofisticada para defender o neoliberalismo extremo como “revolução maquínica”.